A inutilidade dos Exames no conservatório, trabalho em que estou empenhado neste momento, irrita-me. Um simples vilancico que se transcrevesse para notação moderna, na Biblioteca de Évora, era mais útil ao Estado e à Nação, do que um ano inteiro do estúpido trabalho oficial que sou obrigado a fazer.
Luís de Freitas Branco, Diário, 20/07/1935
Retirado do livro Luís de Freitas Branco de Nuno Bettencourt Mendes, Ana Telles e Alexandre Delgado.
A actualidade está nos desabafos que oiço dos meus colegas professores porque não conseguem ser músicos a tempo inteiro e na falta de meios para a investigação musicológica. Mas sobretudo, no desdenho com que estas actividades são ainda hoje vistas e tratadas pelo Estado.
2 comentários
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Quarta-feira, 16 Março 2011 às 14:40
Eduardo
Por que carga de água é que tem de haver pessoas que, sustentadas por outras, devem ter o direito de fazer o que lhes dá na real gana e ganhar assim a vida? Eu posso queixar-me de não estar todo o tempo a escrever e reinvindicar apoios para isso? O meu vizinho pode reinvindicar estar todo o dia a surfar e receber por isso? O meu primo pode reinvindicar estar todo o dia a aperfeiçoar a sua destreza a tocar babalaica e receber por isso? Quem paga? Quem sou eu para obrigar os outros a suportar uma actividade de que eles não querem saber? É preciso uma distinta lata…
Sexta-feira, 1 Abril 2011 às 3:53
Helena Romão
Ó Eduardo, santa ignorância…
Bom, mesmo sem me pagar, eu explico.
Acha mesmo que os Talking Heads ou a Tory Amos lá do seu site vivem sem comer? Você ouve, gosta, reconhece-lhes utilidade, paga. São sustentados por si. Eles mais o seu médico, os professores que lhe deram aulas, os tipos que fizeram o seu carro ou conduzem o seu autocarro. Essa gente toda é sustentada por si, por mim, etc. Chama-se Sociedade.
A ignorância está em pensar que aquilo é inspiração que lhes chega assim de repente! Que a música pop que você ouve não tem milénios de história e de estudo atrás. São versões simples que servem bem ao mercado, vendem-se muito, mas não podiam existir sem toda a outra música que está atrás e o estudo musicológico que lhe está associado. A música que você ouve, com a qualidade que é tocada e produzida, nunca teria existido sem a música erudita, sem o estudo erudito de um instrumento, sem estar apoiada na junção entre música erudita e popular que houve desde o século XIX, sem os estudos tecnológicos da música electroacústica e acusmática do início do Século XX. Não, o que você ouve não cai do céu!
Em que decreto é que vem escrito que um mau economista que só repete banalidades de outros é mais útil e merece mais ser pago do que um bom musicólogo? Só porque a economia de repente está na moda?
Tem noção (pergunta retórica, obviamente não tem) de quanto ganham a Irlanda ou a Áustria com o turismo cultural e de quanto poderia ganhar Portugal se não tivesse sido gerido por gente INCULTA — que gere a cultura com os mesmos preconceitos que povoam as suas perguntas? Se se aproveitasse o facto de sermos um país de escritores e poetas e fizéssemos disso bandeira, imagina quanto isso poderia render em turismo?
Já agora: sim, há campeonatos de surf e até há atletas portugueses muito bem classificados nessa modalidade desportiva. Não sei se algum é seu vizinho, mas independentemente disso, também é sustentado por si. As condições particularmente boas da nossa costa, não só dão certamente grande prazer ao seu vizinho, como o sustentam a si, uma vez que está muito mais perto e acessível para todos os surfistas europeus do que as costas do Hawai ou da Austrália.
Até financeiramente o seu preconceito nos sai caro!