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Aviso à navegação: Vou ser politicamente incorrecta, muito.

 

Acabadas as campanhas e as discussões em torno dos candidatos, vamos ao outro lado da moeda: os eleitores.

Os não-candidatos não se candidatam por diversas razões, uma das quais será, muito provavelmente, a consciência dos eleitores que têm que enfrentar. Os candidatos, esses, são escolhidos pelos eleitores.

Os momentos inserem-se na História, têm uma origem, um desenvolvimento, um resultado, que por sua vez é já a origem e o desenvolvimento de outros resultados quaisquer no futuro.

Este povo que votou nestas eleições é o povo que votou nas anteriores e é até o mesmo povo que impavida e serenamente não votou durante 48 anos.

Sejamos honestos, mais de 90% da nossa população é apática e analfabeta funcional e politicamente. Há talvez um milhão de pessoas que tomam iniciativas políticas (partidárias ou não), que reflectem, pensam e agem na política com consciência do que fazem. Repare-se que mesmo os que aparentemente têm actividade política, sobretudo partidária, não se incluem necessariamente neste grupo de gente que pensa, reflecte e não é nem apática nem politicamente analfabeta.

Falo de um povo que se submeteu a 48 anos de ditadura sem pestanejar — com honrosas excepções. Que mais aguentaria (100, 500, 1000 anos?) se não fosse o bravo punhado de homens do MFA que lhe entregou a Democracia para as mãos — no raro (será único?) caso em que um golpe militar se fez para instaurar a Democracia e não aboli-la e que o fez sem mortos. No dia saiu muita gente para a rua, festejaram; durante algum tempo houve associações de moradores, cooperativas, comissões de trabalhadores, movimentos de todos os tipos, sindicalizações em massa, etc.

Mas a esquerda, que não consegue pôr-se de acordo sobre nada, começou em lutas internas. O PCP decidiu que o pior inimigo do Povo era de repente o mesmo homem que tinha sido um dos líderes do MFA e não descansou enquanto não meteu o Otelo na prisão. O MRPP e o PCP, com outros vários pequenos partidos à mistura, andaram a queimar as sedes uns dos outros e a fazer atentados uns contra os outros.

No entretanto, a direita passeou-se de charuto na mão, o MDLP e o HELP fizeram o que quiseram, mataram quem lhes apeteceu, ninguém se importou, a esquerda estava demasiado ocupada a combater “os verdadeiros inimigos do Povo”. E a seguir a Outubro chega inexoravelmente Novembro e impôs a “normalidade”.

 

O Povo? Foi na corrente, amochou e continuou a vidinha de sempre, a tal “normalidade”. As comissões, associações, cooperativas desapareceram. No fim dos anos 80 já não havia quaisquer sinais do PREC — com as honrosas excepções que confirmam a regra. A Comunicação Social divulga a opinião de que a esquerda é perigosa e de que Otelo é o tal criminoso que estava muito bem preso: o Povo serenamente não questionou e ainda não questiona. Do MDLP e do HELP a grande maioria da população nem ouviu falar, e no entanto os assassinados permanecem mortos e esses crimes por julgar!

 

Durante décadas vimos desaparecer a nossa frota pesqueira, a nossa agricultura, a nossa indústria, o sistema de saúde, o sistema judicial, os nossos direitos mais básicos; vimos os fundos da CEE a irem directamente para os bolsos dos donos das empresas subsidiadas sem investimento na formação ou capacidade produtiva. Houve manifestações, mas o que se ouvia é que era perigoso ir a essas manifestações, que a polícia batia. Batia pois, e a do Cavaco mais que todas as outras juntas! Mas batia, porque na realidade as manifestações eram sempre pequenas relativamente à população e porque quem não estava na manifestação estava apático e não queria saber dessas “coisas” para nada. “Se levavam bastonadas, não se pusessem a jeito”.

 

Acharam que o facto de poderem votar já era muito bom, não sabem bem em quem, porque continuam tão analfabetos e apáticos como dantes. Até vão, mais ou menos, às urnas, mas obedecem sempre a quem lhes parece ter mais ascendente de paizinho como o Salazar. Votam sempre igual: de Cavaco a Sócrates, de Santana Lopes a Durão Barroso e Paulo Portas não há diferenças substanciais. Até há outros candidatos, mas esses não são o paizinho. Para votar diferente era preciso pensar, saber, reflectir em consequências, em longos prazos, conseguir destrinçar o que são acusações verdadeiras e o que são acusações de campanha, promessas a cumprir e promessas de campanha. Sobretudo, é preciso tomar as rédeas e assumir responsabilidade. É mais fácil deixar para o paizinho e ser obediente.

 

O analfabeto agora tem curso superior, mas o surf e e as discotecas são bem mais giros que essas coisas da política. Os novos padres são os DJs e as catedrais têm subwoofers de alta potência. O futebol, esse, é o mesmo, nem precisou de mudar. “Eles são todos iguais” é fácil e poupa o trabalho do raciocínio. É o equivalente moderno do “não digas essas coisas, que isso não é para tua cabeça, os senhores doutores tratam dessas coisas da política”. O fraseado é outro, mas o raciocínio é o mesmo. Já não se vai preso por falar em política, mas isso não faz qualquer diferença para os 90%. Desde que haja novelas, futebol e centros comerciais ao domingo, Big Brother, Ídolos e cinema de mau gosto, está tudo bem. E a “normalidade”: estão presos na ignorância, mas estes presos não sabem que o estão.

 

 

Os politicamente activos, sejamos sinceros: conhecemo-nos todos. Somos muito poucos. Sempre os mesmos e sempre os mesmos há muitas gerações: somos os filhos e os netos dos presos da PIDE e do Tarrafal, dos exilados ou simplesmente de quem lia umas coisas que vinham em papel de embrulho por debaixo do balcão. Somos nós e os nossos pais e avós, educamos os filhos para ler duas vezes — uma nas linhas e outra nas entrelinhas — como nos ensinaram a nós. Ensinamos-lhes, como nos ensinaram a nós, que se não fizermos a mudança, ela não acontece. Neste momento, nesta realidade, com estes 90% de analfabetos não é possível a Revolução, porque a Revolução é feita pelo Povo por definição e este Povo nem sequer sabe o que quer dizer essa palavra.

 

 

Entretanto hoje:

Saiba-se o que se souber sobre Cavaco, a aura de honesto — que nunca foi provada, é apenas uma campanha de marketing bem sucedida — não se descola da cabeça das pessoas. E o analfabeto apático volta a votar no Cavaco porque sim. Porque acredita. Como acreditava em Deus e denunciava “bruxas” à Inquisição sem pensar, obedientemente.

Como acredita, piamente, fervorosamente que o nosso senhor de Wall Street ainda um dia há-de fazer justiça. Acredita, não porque tenha visto, mas porque sim, porque lhe disseram uns senhores de gravata, com ar austero e de paizinho rígido: podem chamar-lhe Salazar, Antigo Testamento, Cavaco ou “Mercados” — quem se porta mal, leva. E o Povo, apático e analfabeto, não sabe que, como disse Saramago em 2003, a “opinião pública é a segunda grande potência mundial”. Mas, acrescento eu, até podia ser a primeira grande super-potência mundial, se quisesse, se um dia quisesse.

 

(Nota tragi-cómica: no dia em que estou a escrever — e não vou publicar hoje — é sexta-feira, horas antes do fim da campanha. Cavaco acabou de inventar a solução para todos os problemas nacionais: o Imposto Sobre as Grandes Fortunas!!! Será   que o Prof. Dr. Economista levou 71 anos a chegar a esta conclusão??? Brilhante!!! Além da ironia de também hoje ter sido divulgada a sua fuga à SISA, ele faz um ar messiânico, como se a esquerda não defendesse esse mesmo imposto há décadas, sempre rejeitado por ele — no governo, como líder do PSD, como ideólogo e economista do PSD! Esse imposto, que o “insigne economista” agora “inventa”, foi proposto na AR. Porque não se declarou favorável quando o seu partido podia ter aprovado esta lei? A diferença é que a esquerda já defende este imposto e apresentou as respectivas propostas na AR, continuará a defender e tentar fazer aprovar o mesmo nas próximas legislaturas e o candidato Cavaco lembrou-se em desespero de último minuto na sexta-feira à tarde, esquecendo-se disso assim que terminem as eleições.)

Auditoria

Que se lixe a troika