You are currently browsing the monthly archive for Abril 2011.

da Gui Castro Felga

Somos cidadãos e cidadãs nascidos depois do 25 de Abril de 1974. Crescemos com a consciência de que as conquistas democráticas e os mais básicos direitos de cidadania são filhos directos desse momento histórico. Soubemos resistir ao derrotismo cínico, mesmo quando os factos pareciam querer lutar contra nós: quando o então primeiro-ministro Cavaco Silva recusava uma pensão ao capitão de Abril, Salgueiro Maia, e a concedia a torturadores da PIDE/DGS; quando um governo decidia comemorar Abril como uma «evolução», colocando o «r» no caixote de lixo da História; quando víamos figuras políticas e militares tomar a revolução do 25 de Abril como um património seu. Soubemos permanecer alinhados com a sabedoria da esperança, porque sem ela a democracia não tem alma nem futuro.

O momento crítico que o país atravessa tem vindo a ser aproveitado para promover uma erosão preocupante da herança material e simbólica construída em torno do 25 de Abril. Não o afirmamos por saudosismo bacoco ou por populismo de circunstância. Se não é de agora o ataque a algumas conquistas que fizeram de nós um país mais justo, mais livre e menos desigual, a ofensiva que se prepara – com a
cobertura do Fundo Monetário Internacional e a acção diligente do «grande centro» ideológico – pode
significar um retrocesso sério, inédito e porventura irreversível. Entendemos, por isso, que é altura de erguermos a nossa voz. Amanhã pode ser tarde.

O primeiro eixo dessa ofensiva ocorre no campo do trabalho. A regressão dos direitos laborais tem caminhado a par com uma crescente precarização que invade todos os planos da vida: o emprego e o rendimento são incertos, tal como incerto se torna o local onde se reside, a possibilidade de constituir família, o futuro profissional. Como o sabem todos aqueles e aquelas que experienciam esta situação, a precariedade não rima com liberdade. Esta só existe se estiverem garantidas perspectivas mínimas de segurança laboral, um rendimento adequado, habitação condigna e a possibilidade de se acederem a dispositivos culturais e educativos. O desemprego, os falsos recibos verdes, o uso continuado e abusivo de contratos a prazo e as empresas de trabalho temporário são hoje as faces deste tempo em que o trabalho sem direitos se tornou a norma. Recentes declarações de agentes políticos e económicos já mostraram que a redução dos direitos e a retracção salarial é a rota pretendida. Em sentido inverso, estamos dispostos a lutar por um novo pacto social que trave este regresso a vínculos laborais típicos do século XIX.

O segundo eixo dessa ofensiva centra-se no enfraquecimento e desmantelamento do Estado social. A saúde e a educação são as duas grandes fatias do bolo público que o apetite privado busca capturar e algum caminho, ainda que na penumbra, tem sido trilhado. Sabemos que não há igualdade de oportunidades sem uma rede pública estruturada e acessível de saúde e educação, e estamos convencidos de que não há democracia sem igualdade de oportunidades. Preocupa-nos, por isso, o desinvestimento no SNS, a inexistência de uma rede de creches acessível, os problemas que enfrenta a escola pública e as desistências de frequência do ensino superior por motivos económicos. Num país com fortes bolsas de pobreza e com endémicas desigualdades, corroer direitos sociais constitucionalmente consagrados é perverter a nossa coluna vertebral democrática, e o caldo perfeito para o populismo xenófobo. Com isso, não podemos pactuar. No nosso ponto de vista, esta é a linha de fronteira que separa uma sociedade preocupada com o equilíbrio e a justiça e uma sociedade baseada numa diferença substantiva entre as elites e a restante população.

Por fim, o terceiro e mais inquietante eixo desta ofensiva anti-Abril assenta na imposição de uma ideia de inevitabilidade que transforma a política mais numa ratificação de escolhas já feitas do que numa disputa real em torno de projectos diferenciados. Este discurso ganhou terreno nos últimos tempos, acentuou-se bastante nas últimas semanas e tenderá a piorar com a transformação do país num protectorado do FMI. Um novo vocabulário instala-se, transformando em «credores» aqueles que lucram com a dívida, em «resgate financeiro» a imposição ainda mais acentuada de políticas de austeridade e em «consenso alargado» a vontade de ditar a priori as soluções governativas. Esta maquilhagem da língua ocupa de tal
forma o terreno mediático que a própria capacidade de pensar e enunciar alternativas se encontra ofuscada.
Por isso dizemos: queremos contribuir para melhorar o país, mas recusamos ser parte de uma engrenagem de destruição de direitos e de erosão da esperança. Se nos roubarem Abril, dar-vos-emos Maio!

Subscrevem:

Alexandre de Sousa Carvalho — Relações Internacionais, investigador
Alexandre Isaac — Antropólogo, dirigente associativo
Alfredo Campos — Sociólogo, bolseiro de investigação
Ana Fernandes Ngom — Animadora sociocultural
André Avelãs — Artista
André Rosado Janeco — Bolseiro de doutoramento
António Cambreiro — Estudante
Artur Moniz Carreiro — Desempregado
Bruno Cabral — Realizador
Bruno Rocha — Administrativo
Bruno Sena Martins — Antropólogo
Carla Silva — Médica, sindicalista
Catarina F. Rocha — Estudante
Catarina Fernandes — Animadora sociocultural, estagiária
Catarina Guerreiro — Estudante
Catarina Lobo — Estudante
Celina da Piedade — Música
Chullage — Sociólogo, músico
Cláudia Diogo — Livreira
Cláudia Fernandes — Desempregada
Cristina Andrade — Psicóloga
Daniel Sousa — Guitarrista, professor
Duarte Nuno — Analista de sistemas
Ester Cortegano — Tradutora
Fernando Ramalho — Músico
Francisca Bagulho — Produtora cultural
Francisco Costa — Linguista
Gui Castro Felga — Arquitecta
Helena Romão — Música, musicóloga
Joana Albuquerque — Estudante
Joana Ferreira — Lojista
João Labrincha — Relações Internacionais, desempregado
Joana Manuel — Actriz
João Pacheco — Jornalista
João Ricardo Vasconcelos – Politólogo, gestor de projectos, blogger
João Rodrigues — Economista
José Luís Peixoto — Escritor
José Neves — Historiador, professor universitário
José Reis Santos — Historiador
Lídia Fernandes — Desempregada
Lúcia Marques — Curadora, crítica de arte
Luís Bernardo — Estudante de doutoramento
Maria Veloso — Técnica administrativa
Mariana Avelãs — Tradutora
Mariana Canotilho — Assistente universitária
Mariana Vieira — Estudante de doutoramento
Marta Lança — Jornalista, editora
Marta Rebelo — Jurista, assistente universitária
Miguel Cardina — Historiador
Miguel Simplício David — Engenheiro civil
Nuno Duarte (Jel) — Artista
Nuno Leal — Estudante
Nuno Teles — Economista
Paula Carvalho — Aprendiz de costureira
Paula Gil — Relações Internacionais, estagiária
Pedro Miguel Santos — Jornalista
Ricardo Araújo Pereira — Humorista
Ricardo Lopes Lindim Ramo — Engenheiro civil
Ricardo Noronha — Historiador
Ricardo Sequeiros Coelho — Bolseiro de investigação
Rita Correia — Artesã
Rita Silva — Animadora
Salomé Coelho — Investigadora em Estudos Feministas, dirigente associativa
Sara Figueiredo Costa — Jornalista
Sara Vidal — Música
Sérgio Castro — Informático
Sérgio Pereira — Militar
Tiago Augusto Baptista — Médico, sindicalista
Tiago Brandão Rodrigues — Bioquímico
Tiago Gillot — Engenheiro agrónomo, encarregado de armazém
Tiago Ivo Cruz — Programador cultural
Tiago Mota Saraiva — Arquitecto
Tiago Ribeiro — Sociólogo
Úrsula Martins — Estudante

Do Portugal Uncut.

Em Indignai-vos Stéphane Hessel cita Sartre: “Vocês são responsáveis enquanto indivíduos”; e acrescenta:

“É uma mensagem libertária. A responsabilidade do homem que não se pode remeter nem a um poder nem a um deus. Pelo contrário, é preciso empenhar-se em nome da sua responsabilidade de pessoa humana.”

Vale para mim. Perante a miséria que me rodeia, perante os discursos das “regras do mercado”, a repetida inevitabilidade dos esforços que são para todos, enquanto as vendas dos bens de luxo não cessam de crescer, o sempre repetido cliché de que “desempregados são só os que não querem trabalhar”, é minha responsabilidade, como ser humanos tomar posição.

Não agir, deixar passar é também tomar a posição do mais forte, “não levantar ondas”, diz-se. “Não levantar ondas” significa obedecer às regras impostas, calar perante a iniquidade das desculpas que nos são dadas e repetidas todos os dias pelos mesmos meios de comunicação.

Mas a responsabilidade é também de todos os que fazem, repetem ou vivem à luz do discurso do mercado. Usar o mercado como argumento parece simples: lançam-se uns números a meio do discurso — “os números são indesmentíveis”. Qualquer bom matemático dirá que nem a Matemática é uma ciência exacta, que até nesse “paradigma da exactidão”, a única certeza é de que as conclusões de hoje serão questionadas amanhã. O mercado é pouco mais fiável e científico que um jogo de azar — com algum cálculo financeiro pelo meio, certo — mas onde seres humanos agem com as mais diversas motivações: emocionais (de pertença a um grupo, de identificação com uma marca, um clube, uma nacionalidade, uma cidade, etc.); aparentemente racionais baseadas em informações que podem estar certas (ou não); crenças de toda a sorte, etc.

No entanto, esse “mercado” apenas os demite de reflectir e de agir enquanto seres humanos, enquanto membros da sociedade. SÃO RESPONSÁVEIS, porque apenas o “simples” acto de chutar para o mercado É TOMAR POSIÇÃO. É tomar a posição de demissão do raciocínio, da sua condição humana, do seu papel social.

Cabe-me a viver este tempo, nestas condições. Até aqui chegar assisti às mais diversas Utopias tornar-se realidade. Todas as anteriores foram-me contadas e parecem tão inacreditáveis como as que vi e vejo ainda todos os dias. Caiu o muro de Berlim, Timor é livre, acabou o apartheid, Mandela e Xanana foram libertados e eleitos Presidente da África do Sul e de Timor, um governante espanhol que mentiu contrariou as sondagens e perdeu umas eleições num fim-de-semana — a Espanha inteira não suportou tal desprezo pela Galiza. O Tribunal Penal Internacional foi criado e está a funcionar. Não venham dizer-me que não é possível, porque em menos de 40 anos já tudo foi possível!

Seria desumana, irresponsável, estaria amputada da minha condição humana se não lutasse agora.

Sobretudo por uma simples mentira de algibeira, como o tal “mercado absoluto e científico”.
Não conheço soluções milagrosas nem messias omnipotentes. Sei apenas que não posso demitir-me de pensar, de ler, de procurar, de querer saber mais e de me indignar — ao ponto da raiva — com a iniquidade que vejo e que sinto. Com a desigualdade crescente instalada em Portugal e na Europa, onde não podem crescer défices nem inflacções, mas podem galopar fendas sociais, miséria, amputações de direitos humanos sem que qualquer Tratado com nome de uma bela cidade venha socorrer-nos. Sei que a Humanidade — a Humanidade de um só Ser Humano — vale mais que dois ou dois mil, ou mesmo dois mil milhões de tostões, isso sei. Por isso, BASTA!

 

A partir de ontem estou também aqui.

Quem somos?

Portugal Uncut é um movimento recém-criado, inspirado no seu homónimo britânico, UK Uncut, o movimento anti-austeridade que surgiu no Reino Unido a 27 de Outubro de 2010, apenas uma semana depois de George Osborne (actual chanceler britânico do tesouro) ter anunciado os cortes mais profundos nos serviços públicos desde 1920. Nesse dia, cerca de 70 pessoas percorreram a Oxford Street, entraram numa das principais lojas da Vodafone e sentaram-se. Estava fechada a loja líder da Vodafone, empresa conhecida pelas suas práticas de evasão fiscal. Até então o movimento UK Uncut apenas existia como #ukuncut, uma hashtag do Twitter que alguém tinha imaginado na noite anterior ao protesto. Enquanto os manifestantes estavam sentados à porta a entoar palavras de ordem e a entregar panfletos aos transeuntes, a hashtag espalhou-se pelo Reino Unido, e as pessoas começaram a pensar repetir a acção. A ideia tornou-se viral. A fúria fervilhante contra os cortes transbordava. Apenas três dias depois, cerca de trinta lojas da Vodafone em todo o país tinham sido encerradas[1].

Isto foi o que escrevi em 2006. Ainda não consegui voltar a ver o À Espera de Godot e a tua voz continua no livro de poemas do Gedeão. Talvez um dia… Agora ainda me fazes muita falta.

A grande mentira

O desmentido não veio nessa noite, nem na seguinte. E até hoje, nada… passaram dez anos. Bem sei que já o disse e que pareço repetir-me, mas o Mário Viegas e o Zeca são as duas pessoas que nunca conheci pessoalmente, e que me fazem falta como se fossem próximos.


Temos esta sorte, que não sabemos, de ter um país cheio de excelentes actores e muitos e muito bons grupos de teatro. O Mário Viegas era destes, aquele de que eu mais gostava e admirava. Há quantos anos foi “Na solidão dos campos de algodão” no Teatro Aberto (o velhinho), com o João Perry? Não sei, perdi-lhes a conta. Mas lembro-me da peça, da impressão que me causou.

Muitos anos depois, o Beckett – “Enquanto se está à espera de Godot”. Há poucas peças de que me lembro com pormenor ao fim de alguns anos. Lembro-me do Mário Viegas e do Santos Manuel nos papéis principais, do chorrilho que o João Carracedo despejava seguidinho e a alta velocidade e da impressão que me fez ele vir pela trela com o Morais e Castro. Eu já conhecia a peça, já a tinha lido antes, e por isso mesmo, lembro-me de a ter desvendado naquela noite, de a ter finalmente percebido. É para isso que servem os encenadores, não é?

E lembro-me sobretudo de quanto me ri a vê-lo em palco ou a ouvi-lo.

Houve mais peças, mas sobretudo, houve muitas que não vi e que me fazem falta. Ainda hoje, quando me dá a preguiça e penso não ir a determinado espectáculo, é desta grande mentira que me lembro, de todas as peças do Mário Viegas que quis ter visto e que por preguiça…

Era um homem íntegro, sem concessões. Dizia sempre o que tinha a dizer e tal como tinha que ser dito, ponto final. Com ironia pontiaguda. Do piorio, portanto.

Auditoria

Que se lixe a troika