Este post começou por ser uma resposta a este outro no Spectrum — sobre a Maria João Pires — e depois tomou vida própria e veio aqui parar.

É absolutamente terrível o desprezo que damos aos nossos valores culturais. Algo semelhante aconteceu com o Saramago: assim que ganhou o Nobel passou a ser de moda dizer que não se gosta dele.

O Centro de Belgais foi inicialmente apresentado ao MC português, que o desprezou, e foi financiado no investimento inicial por dinheiros de governos estrangeiros (não me lembro se o francês ou o espanhol); só mais tarde, quando já tudo estava a funcionar — e seria um caso de vergonha nacional não contribuir, é que o MC português decidiu financiar.

Não contesto as alegações de má gestão dos dinheiros, até porque não conheço as contas da fundação. A inspecção e a verificação da utilização dos dinheiros públicos cabe ao Estado e, quando é feita (repito, quando é feita — e era bom que fosse regular e exaustiva em todas as organizações benificiárias), não me parece mal. Neste caso, deixa-se o Estado fazer o seu trabalho, o sistema judicial, se tiver que intervir, faz também o seu papel, ponto final.

Não me parece claro que não houvesse outra solução, sobretudo para uma organização de declarado interesse público e numa zona rural sem outros centros culturais. Por exemplo, nomear um gestor que tratasse da parte financeira, mantendo a direcção artística. Acrescento e faço notar — por medo de tal não ser óbvio , já que o seu contrário não é — que não seria requerido ao gestor que tocasse os Concertos para Piano de Mozart.

O que é absolutamente inadmissível é o clima geral e o coro quase unânime que se levantam a chamar tudo e mais alguma coisa à Maria João Pires, a votar ao desprezo toda a sua carreira e todo o valor que tem enquanto pianista.
De repente um pouco por toda a parte os comentários são unânimes em como afinal ela não é assim tão boa pianista.

Este é o país que não tem uma companhia de ópera e não dá pela falta dela!!! Estas são as pessoas que não têm uma orquestra por capital de distrito e não contestam!!! Este é o povo que assiste (não assiste, porque não vai lá — ainda por cima!) à Companhia Nacional de Bailado a dançar ao som de uma gravação, porque não há uma orquestra dedicada à CNB e em vez de se revoltarem contra isso, ainda acham que a Cultura tem dinheiro a mais!

Ora neste país de melómanos, de onde aparecem repentinamente todos estes críticos altamente informados e com capacidade atestada para comentar o valor da Maria João Pires enquanto pianista? Estes altíssimos musicólogos, muito mais sabedores que qualquer Barenboim que — pobre ignorante — continua a admirá-la e a querer e gostar de trabalhar com ela?!

Fica o vídeo: para que não voltem a comentar sem ter tido a oportunidade de a ouvir pelo menos uma vez. Já agora, os ignorantes deste vídeo, que insistem em trabalhar com tão terrível pianista — o que se confirma na audição — são Pierre Boulez e a Filarmónica de Berlim, que não vou apresentar, uma vez que qualquer coisa que eu possa dizer ficará certamente muito aquém do que a maioria dos tão bem informados melómanos-comentadores sabem! Disparem à vontade, que eu aposto que o Wolfgang estará regaladinho se puder ouvir o seu concerto assim.